“Crítica à economia verde”

04/11/2016 15:08

http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/um-olhar-diferente-sobre-economia-verde.html

Quinta-feira, 03/11/2016, às 19:58, por Amelia Gonzalez

Um olhar diferente sobre a economia verde

No coração do conceito de economia verde, que começou a ser difundido depois da Rio+20, em 2012, está a antiga promessa da velha economia: “Nós podemos mudar de direção e tudo vai dar certo”.  Mas, há tempos temos percebido que as promessas de um mundo melhor têm resultado em pouca coisa, pelo menos para o pessoal do pé da pirâmide, já que apenas cerca de 20% de pessoas das classes sociais mais altas podem viver bem, consumir e produzir.  E que a tarefa de buscar um estilo de vida e um sistema econômico mais igualitários é muito mais árdua do que pode parecer. Portanto, estamos num momento de meter a mão na massa, de parar de ter esperanças vãs. A inovação tecnológica, tão propagada pelos que pregam a cartilha da economia verde, está cometendo “novos pecados verdes”. E não há, nessa teoria, qualquer reflexão sobre desigualdade social, sobre o bem-estar dos humanos.

Este é o tom do livro “Crítica à economia verde” , escrito por Thomas Fatheuer, Lili Fuhr e Barbara Unmübig, que acaba de ser lançado pela Fundação Heinrich Böll Stiftung.  A ideia é lançar luzes e refletir sobre um tema que, querendo ou não, tornou-se controverso à medida que não responde a algumas perguntas necessárias e oferece respostas rápidas demais, sempre tendo a tecnologia como uma espécie de varinha de condão mágica para resolver as questões que se atravancam no nosso dia a dia por conta das mudanças do clima.

“As políticas de justiça e redistribuição passíveis de conter a pobreza e a fome precisam ser inseridas nos limites planetários e em processos democráticos”, alertam os autores, para quem o Acordo de Paris conseguido na 21ª Conferência do Clima em dezembro do ano passado, apesar de ter sido um avanço histórico, dificilmente responderá à “magnitude do desafio e às necessidades e pressões das pessoas que reivindicam um acordo global baseado na justiça climática”.

Thomas, Lili e Barbara fazem uma espécie de varredura em vários tópicos que são abordados pela economia verde e desconstroem alguns deles com base em fatos, não em convicções.  Sobre o investimento em energias renováveis, por exemplo, eles lembram que a despeito das enormes taxas de crescimento desse tipo de inovação elas hoje não respondem nem por 10% da necessidade energética mundial, isso contando com as polêmicas usinas hidrelétricas.

“Além disso, com a instalação de turbinas eólicas, módulos solares e o desenvolvimento de tecnologias de armazenamento, cresce também a necessidade de matérias-primas minerais e metálicas (por exemplo lítio, terras-raras, cobalto), o que, por sua vez, leva a crises sociais e ecológicas nos países ricos em matérias-primas (especialmente África, Ásia e América Latina). Afinal, as energias renováveis não são imateriais”.

O problema persiste, se levarmos em conta que a migração para fontes de energia renováveis não implica automaticamente uma descentralização e na perda de poder de grandes corporações petroleiras, porque elas também estão investindo no setor. E mais: as grandes mineradoras também já estão investindo em parques eólicos e painéis de energia solar, “no caso das grandes represas, com consideráveis efeitos negativos sociais e ecológicos”.

“Um mix de energia pobre em emissões não significa o fim da exploração dos seres humanos e da natureza’, sentencia o texto do livro.

A ecologia é, acima de tudo, uma questão de justiça, lembram os autores. Nesse sentido, uma economia que pretende resolver questões ecológicas não poderia deixar de se importar com a desigualdade dentro das sociedades. Dados da organização Oxfam, dedicada a estudos sobre a desigualdade, dão conta de que de cada dez pessoas, sete vivem em países em que o abismo entre ricos e pobres hoje é maior do que há 30 anos. Ocorre que a desigualdade não é só de renda e propriedade, mas também de acesso aos recursos naturais.

“Setenta e dois por cento de todas as unidades rurais do mundo são constituídas por menos de um hectare de terra, e apenas 2% das operações são realizadas em mais de 20 hectares, revela uma pesquisa feita pela própria Fundação Böll  .

O maior paradoxo é que justamente os agricultores que mais precisam são os que menos recebem ajuda dos governos.

São questões políticas, que dependem do envolvimento dessas grandes empresas de alimentos com parlamentares que podem criar leis que possam beneficiá-las. A economia verde não entra nessas questões. Assim como não faz perguntas que serão de importância relevante para se conseguir, de fato, alcançar uma mudança na ordem mundial.

“A quem pertencem os recursos; quem regulamenta o acesso a eles, quem aproveita e quem lucra com o desenvolvimento sustentável? Essas são questões cruciais do presente e do futuro”, diz o texto.

O grande equívoco da economia verde está em corrigir a falha do mercado com mais mercado. Não é tarefa nada fácil acertar a economia, contudo “o horizonte se estende muito além de uma economia mais eficiente e poupadora de recursos”.  Os autores chamam atenção para a “apreensão econômica da natureza como capital natural”, já que tal capital compreende “o estoque de bens aos quais pertencem também velhos conhecidos, como as matérias-primas, mas o crucial é que essa reserva presta serviços”.

“O conceito de capital natural traz a natureza para as  dimensões da economia: a natureza pode e deve ser descrita e registrada com conceitos econômicos. A grande falha da economia tradicional era e é não conseguir fazer isso de maneira suficiente. A economia verde pretende solucionar isso tornando a natureza economicamente mais apreensível, ou seja, ela deve ser bem mais mensurável. ”

Eis então o ponto mais polêmico, ou um dos mais polêmicos, do conceito de economia verde. É possível fazer isso de modo sistemático, como lembraram Robert Costanza e Herman Daly, ambos ecoeconomistas, em resposta a George Monbiot, colunista do “The Guardian” que fez críticas severas a essa monetização, classificando-a como “caminho neoliberal para a ruína”. Costanza e Daly, no entanto, fazem uma ressalva importante: “Essa determinação de valor é apenas uma parte indireta da tomada de decisão (dos empreendimentos), e não ocorre de maneira explícita”.

“Melhor seria se abríssemos o jogo, por mais intrincado e deficiente que seja o procedimento”, dizem os dois.

É a natureza que deveria ser integrada adequadamente à economia, e não o contrário. A discussão é rica, a reflexão vale a pena e vou voltar a ela no texto de amanhã.