ETICA SOCIAL – Mudanças climáticas devem ser vistas como um problema social, diz cientista

04/08/2016 18:55

http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/mudancas-climaticas-devem-ser-vistas-como-um-problema-social-diz-cientista.html

Acabo de ler um inquietante e muito razoável artigo na seção de Geociência da revista “Nature”, e quero compartilhar com vocês. O texto me afetou porquefoca num ponto que há uns cinco anos venho refletindo a respeito: os cientistas do clima serão, de fato, a classe mais indicada para ditar regras sobre políticas para mudanças climáticas? Ou deveríamos deixar nas mãos de cientistas sociais e economistas, já que esses, sim, têm ferramentas adequadas para mostrar aos governantes quais caminhos devem ser tomados no sentido de minimizar os impactos que os eventos extremos já estão causando aos mais pobres?

 

“Mudança climática como um problema social perverso” é o título do artigo de Reiner Grundmann, e começa traçando um interessante paralelo entre o buraco na camada de ozônio sobre o território da Antartica e as mudanças climáticas.Para quem não se lembra, em 1983 os pesquisadores científicos descobriram que o ozônio, espécie de escudo de proteção do planeta, estava com um mega buraco causado, principalmente, pela reação química dos clorofluorcarbonos (CFCs) com o ozônio. Os CFCs estavam presentes em aerossóis, ar-condicionados, geladeiras, espumas plásticas e solventes, produtos que se tornaram indispensáveis à civilização, sobretudo depois da II Guerra.

 

Os líderes mundiais, preocupados, tomaram decisões, fizeram acordos, proibiram o CFC em diversos países. Seu uso foi diminuindo aos poucos, e hoje já está bem menor do que era há três ou quatro décadas. As estimativas dão conta de que a camada de ozônio deve se normalizar por volta de 2050.

 

Ora, se deu certo na hora de fazer um acordo global contra a ameaça causada pelos CFCs, por que o prenúncio de sérios impactos causados pelos gases de efeito estufa geram resultados abaixo do esperado?

 

Para o cientista alemão, a chave que pode levar a um caminho de resposta a esta pergunta é que, diferentemente do fenômeno do buraco da camada de ozônio, as mudanças climáticas não são um problema científico, mas social.É também um problema perverso que, em vez de ser solucionado,é negociado e  renegociadorepetidamente.

 

“Se os cientistas sociais tivessem sido envolvidos no problema desde o início, este erro crucial em categorizar as mudanças climáticas teria sido evitado. As organizações ambientais e os especialistas envolvidos na elaboração de políticas para o enfrentamento das mudanças climáticas são, majoritariamente, treinadas em ciências naturais. Como tais, não têm um bom entendimento sobre a complexidade dos problemas sociais e sobre processos de mudanças políticas e culturais. Alguns cientistas sociais que destoam da maioria têm contra-argumentado por décadas, mas suas questões não têm sido levadas em conta. Muito das contribuições sociais neste setor têm vindo dos economistas, cujas experiências são focadas estreitamente em custo-benefícios e considerações sobre eficiência”, escreve Reiner Grundmann.

 

O resultado disso é que a ciência foi vista como a principal responsável pela assinatura do Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, em 1987. Tratou-se de um acordo internacional que entrou em vigor em 01 de janeiro de 1989, assinado pelos países que fazem parte das Nações Unidas, impondo obrigações específicas e redução progressiva do uso das substâncias que destroem a camada de ozônio.As avaliações para o Protocolo foram feitas sob a chancela da Organização Meteorológica Mundial (WMO na sigla em inglês) e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

 

Talvez ainda na esteira dessa vitória, muitos acreditam que é fundamental levar em conta o consenso científico na hora de criar políticas para as questões climáticas e que há muita desinformação a esse respeito. Nesse sentido, as reportagens da grande mídia, que dão espaço aos céticos do clima porque precisam sempre ouvir “o outro lado” são consideradas um desserviço porque, em comparação com o senso comum, hoje propaladamente a favor dos cientistas que advertem para a ameaça do aquecimento global, eles ficam parecendo uma crítica mal direcionada.

 

E como o conhecimento científico está sendo usado, equivocadamente na opinião do articulista, para fazer política, os oponentes acabam atacando a ciência. É uma lógica que só serve para distrair o foco real dos problemas, que está no social.

 

“As políticas climáticas têm que ser resultado do progresso de decisões nas quais muitos elementos devem estar envolvidos, como por exemplo: custos e benefícios, aceitabilidade, a conveniência política”, escreve o autor.

 

Mas, em vez disso, os problemas sociais prosseguem em busca de soluções.Aqueles que fazem as políticas sabem, tanto quanto a população em geral, que não há como zerá-los, mas as promessas são feitas, ouvidas, acatadas.Assim como também são seguidos a risco todos os cálculos de cientistas, às vezes com uma precisão desconfortante, revelando quanto de gelo perdemos e perderemos, quanto de águas os oceanos vão ganhar por conta disso, quanto de biodiversidade já não temos, e outros detalhes.

A questão é que, segundo o cientista alemão, também as mudanças climáticas não terão um ponto final. Por isso é preciso que os cidadãos se preparem.

 

“Não temos certezas de que conseguiremos resolver o problema. Há várias sugestões, que vão desde a implementação de usinas nucleares, o uso de várias fontes alternativas de energia, a transformação do nosso estilo de vida, a promoção do vegetarianismo, um imposto sobre carbono, a implementação de um sistema de comércio de emissões, projetos de geo-engenharia e até a abolição do capitalismo. Muitas dessas soluções, se implementadas, podem levar a mudanças mais catastróficas até do que o aquecimento global em si”, escreve Grundmann.

 

O desafio, portanto, é grande. Mas a solução não pode ficar nas mãos dos cientistas naturais, e sim sociais, finaliza o autor. Ouso dizer que não há uma única solução, assim como não é possível deixar as políticas serem pensadas apenas por cientistas sociais e economistas. Os eventos extremos causados pelas mudanças climáticas exigem esforço conjunto e solidariedade. Anda em falta isso no mundo…